Lei que tipifica crime virtual pode punir com prisão quem desbloquear iPhone
Falta de Marco Civil da Internet e regras ambíguas dificultam aprovação do projeto
Há mais de dez anos na fila para ser aprovado, o Projeto de Lei 84/1999 voltará a ser discutido no Congresso Nacional no dia 24 deste mês. O retorno à pauta que muitos ativistas conhecem como o "AI-5 Digital" reacendeu a discussão sobre a tipificação dos crimes virtuais. Apesar de ser o quinto país com maior número de usuários da internet no mundo (72 milhões de pessoas), o Brasil ainda não tem uma legislação específica para o assunto. E não terá tão cedo, como sinaliza falta de consenso sobre o próprio projeto de lei e a demora na aprovação do Marco Civil da Internet.
Entre os pontos mais polêmicos da proposta está a obrigação dos provedores de acesso a guardarem os registros dos usuários em seus provedores por um período de três anos. Estes dados poderiam ser cedidos à Justiça, caso fossem requisitados. Para os cyberativistas, o "grampo digital" pressupõe que todo usuário é culpado, até que se prove o contrário.
Além disso, algumas partes do texto podem criminalizar atividades cotidianas, como desbloquear um aparelho de celular, transferir músicas compradas legalmente de um iPod para um computador ou compartilhar sua internet com seus vizinhos através de wi-fi.
"O projeto é muito inconsistente. Ele criminaliza condutas já criminalizadas e é ambíguo em alguns trechos. Desbloquar um iPhone para usar aplicativos de outras empresas, por exemplo, poderia ser considerado crime com pena de reclusão de um a três anos de prisão", explica o advogado do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Guilherme Varella. "Isso sem contar que o texto é de 1999, feito num contexto completamente diferente da internet de hoje. Em suma, esse projeto atira no que vê e acerta no que não vê. Ele tenta barrar condutas más, mas ataca hábitos comuns de qualquer cidadão".
Hoje, o Idec mantém em seu site a campanha "Consumidores contra o PL Azeredo", que pede a rejeição total do texo. Aprovado em 2003 pela própria Câmara e em 2008 pelo Senado, o projeto voltou para os deputados apenas para uma última revisão. Agora, eles não podem adicionar nenhum item à proposta, apenas fazer emendas supressivas, o que permite limitar algumas partes do texto final. A intenção do movimento é fazer o Congresso suprimir todo o conteúdo do projeto e enviá-lo à Comissão de Defesa do Consumidor.

"O PL 84/1999 é baseado na Convenção de Budapeste do Cibercrime, considerada uma das piores do mundo nessa área. Ela dá prerrogativa para os provedores de internet quebrarem o sigilo dos seus usuários armazenando os dados de navegação, mas não dispõe sobre como estas empresas vão utilizá-los", explica Varella. "As grandes empresas podem comercializá-los ou usá-los para fazer propagandas direcionadas de acordo com o histórico de cada usuário, enviar spam, etc. Isso tudo fere o direito ao sigilo de quem acessa a internet. É impossível estabelecer uma legislação para crimes virtuais sem delinear os direitos dos usuários".
Os direitos dos usuários deveria ser estabelecido pelo Marco Civil da Internet. O problema é que o marco está em discussão há três anos. Nesse meio tempo, ataques hackers como os da LulzSec Brasil expuseram a fragilidade da legislação brasileira. Muitos destes hackers, mesmo se identificados, sequer poderiam ser punidos, já que não há lei que regule ataques virtuais. Daí a impaciência de alguns legisladores a respeito da aprovação do PL 84/1999.

"Foram feitas modificações em várias conversas com entidades da sociedade civil e governo durante 11 anos. O projeto está pronto para ser aprovado", argumentou o deputado federal Eduardo Azeredo. "Faz três anos que nós esperamos pelo marco, enquanto isso, vemos que a definição dos crimes da internet é urgente e precisa ser votada o quanto antes".
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por exemplo, se antecipou ao Congresso e passou a exigir dos provedores o armazenamento de dados dos usuários desde o começo de agosto. De acordo o gerente da Superintendência de Serviços Privados da Anatel, Bruno Ramos, a decisão foi fundamentada em recomendações do Ministério Público Federal (MPF).
"Estamos alinhados com recomendações do Ministério Público Federal e com o Marco Civil da Internet", garantiu Bruno. Alinhada ao PL 84/1999, a Anatel exige a manutenção dos logs de acesso dos usuários por três anos nos grandes servidores. Nos de menor porte, a exigência cai para apenas dois anos.

Para o advogado do Idec, a decisão da Anatel evidencia o despreparo da agência para lidar com o setor. Ele também acredita que os grandes provedores de internet do país estejam fazendo pressão pela aprovação do projeto, já que eles sabem do potencial comercial do armazenamento dos dados de acesso dos seus usuários.
"Qualquer um que lide com o setor de defesa do consumidor sabe da incapacidade da Anatel. O setor de telecomunicações tem regulamentos frágeis, as empresas desrespeitam a lei abertamente e a agência não os pune. Essa medida atropela uma discussão importantíssima, mas esse tipo de atitude não é surpreendente", lamenta Varella, que defende a regulamentação urgente do Marco Civil da Internet. "Pela lógica jurídica, o Marco Civil precisa vir antes da lei que determina os crimes. O consumidor precisa saber os seus direitos, aí sim você pode definir os crimes. Se o marco já estivesse aprovado, muitas das questões que o PL Azeredo propõe já teriam sido resolvidas. O marco precisa ser votado logo".
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