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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Um final de semana com um excluído


Que tal passar um final de semana com um excluído?




…Então me diga se você fosse eu?
(Que diria de passar um final de semana com um excluído?) *

Denival Francisco da Silva **

Mote
Constituição Federal: Art. 6o.
Art. 6o. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência scoial, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desemparados, na forma desta Constituição.

Convido-te para vir passar o final de semana comigo. Não basta um dia, porque é pouco para me conhecer direito. Não o levo para minha casa porque não tenho casa. Moro debaixo do viaduto donde escuto o barulho contínuo dos carros. Quem sabe você indo ou voltando do trabalho, para a família, para o encontro com amigos numa pelada ou num bar. Não terá como ver TV, mas poderá contemplar a noite com suas luzes, e às vezes, quando não tem muito embaso, se vê a lua e algumas estrelas. Não poderá aproveitar um banho quente, mas vier a sentir frio poderá acender uma fogueira de madeira de construção.
Convido-te para almoçar comigo. Mas para isso temos que ir esperar a compaixão de alguém saindo de um restaurante com suas sobras nas mãos, ou o final do turno quando o estabelecimento tem que desfazer dos restos. Quem sabe com sua presença possamos conseguir a atenção que me falta no meu dia-a-dia, quando a alimentação é uma incerteza certa.
Convido-te para um dia de trabalho comigo. Não importa se hoje é sábado ou domingo, não tenho calendário para contar os dias. Vamos, agarre do lado do timão e vamos puxar esta carroça de papelão. É melhor começarmos pelo lado de lá porque na medida em que vai aumentando a carga fica difícil puxá-la ladeira acima. Aproveitemos que o sol se pôs e o trânsito diminuiu e as luzes nos postes foram ligadas. Vamos, temos muitas ruas a percorrer, muito lixo a revirar e uma longa noite a pelejar.
Convido-te para ir buscar uma moita na praça para fazer necessidade. Se bem que quem pouco tem no bucho, pouco ou nada tem a expelir. Mas sempre vem uma ânsia, uma comichão danada em forma de dor de barriga, ainda que ao final só saia peido. É necessário que sejamos discretos e ligeiros, para que ninguém nos acuse de ato obsceno ou de porco imundo. … Ah, papel? Apanhe um pedaço de jornal naqueles que recolhemos.
Convido-te a ver as pessoas indo e vindo sem nos notar. Poderá se sentir um objeto, um bicho, ou coisa alguma. As pessoas passam, voltam  não nos veem, por medo ou pura insensibilidade. Mas não fique parado no caminho porque poderá ser pisoteado ou chutado para o lado.
Nem se acomode em frente de um estabelecimento comercial porque então te verão, e de nada adiantara dizer que não tinha intenção de assaltá-lo porque será recolhido no camburão.
Convido-te saber que eu existo, mesmo diante de tanta invisibilidade e indiferença. Não precisas dividir o que não tenho e vir experimentar este sentimento de segregação. Não precisas perder seu conforto, passar por situações vexatórias, humilhações e necessidades. Não te desejo nada disso. Convido-te, porém, a comparar nossa anatomia, fisiologia, nossa crença em Deus (ou descrença) e verificar se não somos iguais.
Convido-te a me dizer se deliro, se sonho, se ignoro ou se sou ignorado, e então me diga o que faria se você fosse eu?

* Do Livro: Poemas reconvencionais: inverso e reflexo das coisas. Denival Francisco da Silva. 2011
** Juiz de Direito em Goiânia (GO)
Texto publicado no blog do autor: http://sedicoes.wordpress.com/

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